terça-feira, 13 de outubro de 2020

FIM DE FUNÇÕES

Começa agora uma época estranha, aos soluços, como nenhuma outra.
Começa com um ambiente estranho, onde pairam as incertezas em redor de tudo, das condições, das competições, da saúde, tudo. Mas começa, para mim, com uma certeza: ao fim de 18 anos, vou deixar a Comissão de Arbitragem da Associação de Andebol de Aveiro.

Desde 2002, ano em que me envolvi na gestão da arbitragem regional, que trabalho ininterruptamente em prol do andebol aveirense. Uns anos com mais vigor, outros com um pouco menos, mas sempre com o objetivo único de ajudar a arbitragem e, consequentemente, os clubes, a ter um melhor andebol. 

Terei tido sucessos e insucessos, boas e más ações e decisões, excelentes escolhas e péssimos momentos de lucidez. Mas todos esses momentos foram feitos com o objetivo único de procurar um andebol melhor, e uma arbitragem mais competente, mais capaz e mais humana.

Tive a felicidade de estar rodeado, ao longo de 18 anos, de pessoas maravilhosas e competentes, que me ajudaram a superar todos os momentos. Não os nomeio para não correr o risco de me esquecer de ninguém, mas eles sabem quem são e isso é que importa. Os sucessos e os insucessos são de todos sem exceção. É assim que vejo a vida. Partilho-os com todos eles.

Tanto tempo a fazer o mesmo trabalho trouxe-me desgaste e cansaço, e com isso uma menor capacidade para oferecer ao andebol regional tudo aquilo que tenho para oferecer. O que, modéstia à parte, acho que até é bastante. Assim, dou um passo atrás. Por mim, mas principalmente e acima de tudo, pelos "meus" árbitros. 
Tal como já tive a oportunidade de lhes transmitir, a eles, os "meus" árbitros, são eles o que me motiva nesta fase da minha carreira andebolística. É neles que está o meu orgulho, porque defendem todos os fins de semana, sabe Deus por vezes em que condições e sobre que pressões, uma atividade tantas vezes maltratada dentro de uma modalidade que tanto adoramos.

Reservo uma palavra, também, aos clubes aveirenses. Agradeço publicamente o respeito com que me trataram em 99,9% dos meus dias enquanto membro da Comissão de Arbitragem da AAA e ultimamente enquanto o seu líder. Sei que nem todas as situações poderão ter sido bem resolvidas, mas uma coisa eu garanto, que é aquilo que se deve exigir a um responsável de arbitragem: todos foram tratados com equidade e com o mesmo respeito. Se porventura não consegui esse intento em algum momento, não foi por não tentar.

Continuarei disponível para colaborar com a Federação de Andebol de Portugal, como tenho feito. E nunca fecharei a porta à Associação de Andebol de Aveiro, a minha casa no andebol. Mas para tudo há um tempo, e este é o momento de fazer uma pausa no meu serviço à arbitragem regional. 
Sempre defendi que as pessoas não se devem eternizar nos cargos, pois isso bloqueia o aparecimento de novas ideias. Não posso contrariar esse meu próprio princípio de vida.

Saio com a consciência de dever cumprido e de ter devolvido ao andebol aveirense aquilo que ele me deu. 

Tenho certeza que nos continuaremos a ver por aí, porque Andebol e Arbitragem estão no meu ADN. E, com certeza, no de muitos de vós.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

UM APELO

Hoje deixo um apelo muito, mas mesmo muito sério.

Como é claro para todos, a pandemia gerada devido à Covid-19 veio para ficar durante uns tempos. Todos estamos a ver as nossas realidades a ser alteradas e os nossos hábitos virados ao contrário nestes tempos difíceis. É importante que nos saibamos adaptar a estes novos tempos, enquanto não podemos recuperar a vida tal como a conhecemos e sempre a vivemos.

Devemos procurar retomar os nossos hábitos gradualmente, com a maior das cautelas e sempre muito bem protegidos. Só ao cuidarmos de nós mesmos vamos conseguir proteger todos e cada um dos que nos rodeiam no dia a dia e, por consequência, toda a sociedade.

Confesso que me perturba largamente ver a irresponsabilidade em muitas pessoas. Por favor, não façam parte daquele conjunto de pessoas que não se preocupa minimamente com regras e precauções, que acha que isto é um vírus inventado ou um problema menor. Choca-me ver as superfícies comerciais a rebentar de gente, muitas claramente em passeio. Choca-me ver festejos de qualquer espécie, sejam desportivos ou sociais. Choca-me ver os agrupamentos de jovens que se juntam às dezenas e centenas para conviver, estar juntos e beber uns copos.

Ninguém nos pediu que morramos para o mundo. O que nos é pedido enquanto elementos de uma sociedade que se diz inteligente e evoluída é que saibamos respeitar o próximo e que consigamos abrir a exceção que é o único caminho para a vitória nesta guerra contra um amigo invisível, mas que mata. E não mata só os outros.

Percebo que muita gente tem dificuldade em aceitar que os problemas podem vir de algo que não se vê, mas sobre o qual se tem vindo a conhecer cada vez mais coisas. Pois eu digo que o que me preocupa neste vírus não é o que se sabe, mas o que ainda está por descobrir. Consequências, debilidades, todo um conjunto de fatores sobre os quais ainda não sabemos nada.

Este apelo é ainda mais sentido quando se avizinha o regresso total das competições, não sabemos ainda quando. Sabermos proteger a nossa própria saúde não vai só ajudar a proteger a do nosso familiar e a do nosso vizinho, mas também a do nosso colega de equipa. Quantos menos riscos cada um de nós correr, menos riscos vai correr cada um dos nossos colegas de equipa. Quanto mais protegidos e alertas estivermos cada um de nós, mais protegidos e alertas vão forçosamente estar cada um dos nossos colegas de equipa. É nestas alturas difíceis que se deve elevar o espírito de grupo e a noção de que numa equipa, num grupo, o todo vale mais que a soma das partes.

Quando todas as pessoas de todas as equipas se mentalizarem que neste jogo todos temos de vencer o mesmo adversário, todos poderemos voltar a fazer aquilo que tanto gostamos, que é voltar sem restrições para dentro de um campo de andebol.

Tudo o que disse em cima se aplica ao regresso às aulas. Não duvido da ansiedade natural que muitos poderão sentir por poder rever alguns amigos ao fim de tanto tempo. Mas por favor resistam à tentação de cair em excessos e facilitismos. Vivam a vida, mas com os pés bem assentes no chão.

Protejam-se. Estamos todos no mesmo barco.


* Texto partilhado com o Magazine ACL.

sábado, 30 de maio de 2020

PRESSÃO EXTRA

O texto de hoje não fala de regras nem da atuação dos árbitros um determinado jogo. Não fala de atitudes tidas por jogadores, treinadores ou oficiais. Não fala de nada que o público possa fazer durante um jogo. Fala de bom senso. Fala de respeito.

Li há algumas semanas num diário desportivo uma notícia que me envergonha só pelo facto de ser notícia. Era algo como “os árbitros vão viajar no mesmo avião que as equipas visitantes nos jogos nas ilhas”, a respeito do regresso do futebol e das medidas impostas para recomeço da atividade. A primeira questão que coloquei a mim mesmo depois de ler aquilo foi “e depois? Viajam com as equipas… e depois?”. O que é que importa se partilham o mesmo espaço com as equipas? Vamos agora desconfiar da seriedade dos árbitros e dos elementos das equipas só porque sim? Agora as pessoas não podem estar juntas, que se cria logo um clima de suspeição?

Não, obviamente não quero comparar a realidade andebolística ao futebol. Há realidades que não são comparáveis a nenhum nível. Mas infelizmente esta questão é transversal a todas as modalidades porque, infelizmente, há ainda muita gente que coloca o rótulo da falta de seriedade em tudo o que implica arbitragem.

Sempre houve maus árbitros e vão continuar a haver. Sempre houve jogos mal dirigidos por bons e maus árbitros e vão continuar a haver. Agora, fazer de uma viagem notícia é simplesmente indecente.

É verdade que há árbitros mais conscienciosos que outros, e que sentem com mais intensidade os seus sucessos e os seus insucessos. Mas nenhum árbitro gosta de errar. Nenhum árbitro gosta de se sentir injustiçado. E, mais que tudo, nenhum árbitro gosta de ser crucificado em praça pública só porque é árbitro. Os árbitros também têm sentimentos, pasme-se!

Esta notícia deixa no ar um clima de mistério e suspeição que é, no mínimo, aberrante.

Gosto sempre de fazer paralelos com a minha experiência pessoal. Sempre partilhei aviões quando tive de me deslocar às ilhas. Sempre partilhei espaços de refeições com equipas, antes e depois dos jogos, e nunca isso me influenciou nas minhas decisões. Como eu, quase todos nós. São os momentos de convívio fora dos pavilhões que mais nos enriquecem pessoal e socialmente. São as pessoas que conhecemos, os amigos que fazemos e que mantemos, o mais importante de tudo o que levamos do Desporto. Claro que o que acontece dentro do campo reflete o nosso trabalho diário, mas é também o que acontece fora do campo que nos permite abrir horizontes e transformarmo-nos em pessoas melhores. Para muitos pode não fazer sentido, mas a minha carreira tem tantos momentos marcantes fora do campo como dentro dele.

Fiz muitos amigos na Arbitragem, grande parte deles fora do ambiente de jogo, ou pelo menos solidifiquei essa relação fora do terreno de jogo.

Notícias como esta são apenas lamentáveis. Faço votos para que a comunicação social deixe as pessoas serem pessoas e não as queira transformar em bichos do mato, que deixe as pessoas fazer o seu trabalho, com a pressão inerente à atividade mas sem a pressão imbecil da suspeita gratuita.

Todos nós somos mais competentes quando as pessoas acreditam em nós e nos dão margem para mostrarmos o que valemos.

* Este mês, partilhei este texto igualmente no Magazine ACL.