segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

ATÉ SEMPRE, QUINTANA

Perdemos hoje um atleta e um homem de eleição, e a prova está na onda de solidariedade tão consensual que se levantou em seu torno.

Não são precisas mais palavras além das que fomos lendo, não só por estes dias, mas desde que chegou a Portugal. Do meu lado, que apenas com ele partilhei o terreno de jogo umas dezenas de vezes, mas que vibrei com cada defesa que fazia com a camisola da nossa Seleção, resta-me, apenas, agradecer tudo aquilo que veio oferecer ao Desporto Português e a forma como enriqueceu a vida de todos aqueles que de perto conviveram com ele. 

Estamos todos muito, mas muito mais pobres hoje. 

Envio as minhas sentidas condolências a todos os seus companheiros de Seleção e do Futebol Clube do Porto, e muito em especial à sua família e amigos próximos.

Obrigado por tudo, Quintana. Descansa em paz.



quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O PESO DO CARTÃO AMARELO

Chegou ao fim mais um mundial de andebol, e com ele a possibilidade de vermos excelentes espetáculos de andebol e excelentes arbitragens também.

Houve algo que, para qualquer especialista de arbitragem, pode ter sobressaído nas atuações dos árbitros, inclusivament
e porque mereceu comentários aquando dos jogos: a menor utilização do cartão amarelo.

Quem tem acompanhado a evolução do andebol mundial e as suas tendências, não pode deixar de reparar que se dão cada vez menos advertências (o nome técnico do cartão amarelo), e mais rapidamente se passa à “fase da exclusão”. Isso tem causas e consequências, como qualquer outro passo que se dê, e também como qualquer outro caminho, tem os seus apoiantes e detratores.

Há os que julgam que o cartão amarelo é peça absolutamente fundamental na condução de um jogo e que não se deve abdicar dele. É o aviso público, a advertência, o mostrar a toda a gente que o árbitro está atento, é o querer sempre que o atleta infrator tenha um aviso para não se exceder. A questão é que não raras vezes esse atleta excede-se cedo e a primeira sanção disciplinar, quando é um simples cartão amarelo, é curta. O cartão amarelo não doi. O atleta fica dentro do campo, a equipa que sofre a falta ou que não cometeu a conduta antidesportiva não tira partido disso, e como o prazo de validade do cartão amarelo não se estende pelo jogo todo, o infrator lucra.

Parte-se assim para a amostragem do cartão amarelo só quando estritamente adequado e possível. Adequado porque tem de ser uma pequena falta, possível porque nem sempre se deve interromper o decurso do jogo para este tipo de ação, porque não traz real vantagem para a outra equipa.

Isto obriga a toda uma mudança na própria técnica de arbitragem. Na minha experiência, sempre procurei usar os cartões amarelos como munições de um revólver. Eram poucas, tinha de as gastar adequadamente para não passar logo para uma arma mais pesada. Procurava mostrar os cartões amarelos permitidos por lei a cada equipa, se tal fosse possível. Não sendo possível, tudo bem na mesma, mas ainda há bem pouco tempo era estranho se uma dupla de arbitragem acabasse os seus jogos consistentemente com uma ou duas advertências por equipa. Dizia-se que era sinal de “má condução de jogo”, sem que fosse necessariamente assim.

Agora já não surpreende ninguém que haja jogos sem advertências, ou com uma ou duas apenas. É um processo natural e evolutivo, que todos precisamos acompanhar. Todos temos de nos adaptar: jogadores, treinadores, dirigentes, árbitros, observadores, público e qualquer outro amante da modalidade.

Como nota de rodapé, recordo-me perfeitamente de um jogo em que a minha primeira sanção foi mostrar um cartão vermelho aos vinte segundos de jogo. Murro na cara, cartão vermelho, para mim é e sempre foi simples. Muita gente perguntou se não era melhor começar por uma sanção “mais levezinha”… Não, a sanção necessária surge no decurso da ação efetuada, seja ela qual for.

Voltando ao cartão amarelo, não me surpreenderia nada se ele desaparecesse em poucos anos. Com o reduzir da sua importância no jogo e com o pouco impacto que tem, passa a tornar-se algo “a mais”. Mas ainda não é assim, e isso exige que todos nos adequemos ao momento em que estamos.


*Texto publicado também no Magazine ACL

terça-feira, 13 de outubro de 2020

FIM DE FUNÇÕES

Começa agora uma época estranha, aos soluços, como nenhuma outra.
Começa com um ambiente estranho, onde pairam as incertezas em redor de tudo, das condições, das competições, da saúde, tudo. Mas começa, para mim, com uma certeza: ao fim de 18 anos, vou deixar a Comissão de Arbitragem da Associação de Andebol de Aveiro.

Desde 2002, ano em que me envolvi na gestão da arbitragem regional, que trabalho ininterruptamente em prol do andebol aveirense. Uns anos com mais vigor, outros com um pouco menos, mas sempre com o objetivo único de ajudar a arbitragem e, consequentemente, os clubes, a ter um melhor andebol. 

Terei tido sucessos e insucessos, boas e más ações e decisões, excelentes escolhas e péssimos momentos de lucidez. Mas todos esses momentos foram feitos com o objetivo único de procurar um andebol melhor, e uma arbitragem mais competente, mais capaz e mais humana.

Tive a felicidade de estar rodeado, ao longo de 18 anos, de pessoas maravilhosas e competentes, que me ajudaram a superar todos os momentos. Não os nomeio para não correr o risco de me esquecer de ninguém, mas eles sabem quem são e isso é que importa. Os sucessos e os insucessos são de todos sem exceção. É assim que vejo a vida. Partilho-os com todos eles.

Tanto tempo a fazer o mesmo trabalho trouxe-me desgaste e cansaço, e com isso uma menor capacidade para oferecer ao andebol regional tudo aquilo que tenho para oferecer. O que, modéstia à parte, acho que até é bastante. Assim, dou um passo atrás. Por mim, mas principalmente e acima de tudo, pelos "meus" árbitros. 
Tal como já tive a oportunidade de lhes transmitir, a eles, os "meus" árbitros, são eles o que me motiva nesta fase da minha carreira andebolística. É neles que está o meu orgulho, porque defendem todos os fins de semana, sabe Deus por vezes em que condições e sobre que pressões, uma atividade tantas vezes maltratada dentro de uma modalidade que tanto adoramos.

Reservo uma palavra, também, aos clubes aveirenses. Agradeço publicamente o respeito com que me trataram em 99,9% dos meus dias enquanto membro da Comissão de Arbitragem da AAA e ultimamente enquanto o seu líder. Sei que nem todas as situações poderão ter sido bem resolvidas, mas uma coisa eu garanto, que é aquilo que se deve exigir a um responsável de arbitragem: todos foram tratados com equidade e com o mesmo respeito. Se porventura não consegui esse intento em algum momento, não foi por não tentar.

Continuarei disponível para colaborar com a Federação de Andebol de Portugal, como tenho feito. E nunca fecharei a porta à Associação de Andebol de Aveiro, a minha casa no andebol. Mas para tudo há um tempo, e este é o momento de fazer uma pausa no meu serviço à arbitragem regional. 
Sempre defendi que as pessoas não se devem eternizar nos cargos, pois isso bloqueia o aparecimento de novas ideias. Não posso contrariar esse meu próprio princípio de vida.

Saio com a consciência de dever cumprido e de ter devolvido ao andebol aveirense aquilo que ele me deu. 

Tenho certeza que nos continuaremos a ver por aí, porque Andebol e Arbitragem estão no meu ADN. E, com certeza, no de muitos de vós.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

UM APELO

Hoje deixo um apelo muito, mas mesmo muito sério.

Como é claro para todos, a pandemia gerada devido à Covid-19 veio para ficar durante uns tempos. Todos estamos a ver as nossas realidades a ser alteradas e os nossos hábitos virados ao contrário nestes tempos difíceis. É importante que nos saibamos adaptar a estes novos tempos, enquanto não podemos recuperar a vida tal como a conhecemos e sempre a vivemos.

Devemos procurar retomar os nossos hábitos gradualmente, com a maior das cautelas e sempre muito bem protegidos. Só ao cuidarmos de nós mesmos vamos conseguir proteger todos e cada um dos que nos rodeiam no dia a dia e, por consequência, toda a sociedade.

Confesso que me perturba largamente ver a irresponsabilidade em muitas pessoas. Por favor, não façam parte daquele conjunto de pessoas que não se preocupa minimamente com regras e precauções, que acha que isto é um vírus inventado ou um problema menor. Choca-me ver as superfícies comerciais a rebentar de gente, muitas claramente em passeio. Choca-me ver festejos de qualquer espécie, sejam desportivos ou sociais. Choca-me ver os agrupamentos de jovens que se juntam às dezenas e centenas para conviver, estar juntos e beber uns copos.

Ninguém nos pediu que morramos para o mundo. O que nos é pedido enquanto elementos de uma sociedade que se diz inteligente e evoluída é que saibamos respeitar o próximo e que consigamos abrir a exceção que é o único caminho para a vitória nesta guerra contra um amigo invisível, mas que mata. E não mata só os outros.

Percebo que muita gente tem dificuldade em aceitar que os problemas podem vir de algo que não se vê, mas sobre o qual se tem vindo a conhecer cada vez mais coisas. Pois eu digo que o que me preocupa neste vírus não é o que se sabe, mas o que ainda está por descobrir. Consequências, debilidades, todo um conjunto de fatores sobre os quais ainda não sabemos nada.

Este apelo é ainda mais sentido quando se avizinha o regresso total das competições, não sabemos ainda quando. Sabermos proteger a nossa própria saúde não vai só ajudar a proteger a do nosso familiar e a do nosso vizinho, mas também a do nosso colega de equipa. Quantos menos riscos cada um de nós correr, menos riscos vai correr cada um dos nossos colegas de equipa. Quanto mais protegidos e alertas estivermos cada um de nós, mais protegidos e alertas vão forçosamente estar cada um dos nossos colegas de equipa. É nestas alturas difíceis que se deve elevar o espírito de grupo e a noção de que numa equipa, num grupo, o todo vale mais que a soma das partes.

Quando todas as pessoas de todas as equipas se mentalizarem que neste jogo todos temos de vencer o mesmo adversário, todos poderemos voltar a fazer aquilo que tanto gostamos, que é voltar sem restrições para dentro de um campo de andebol.

Tudo o que disse em cima se aplica ao regresso às aulas. Não duvido da ansiedade natural que muitos poderão sentir por poder rever alguns amigos ao fim de tanto tempo. Mas por favor resistam à tentação de cair em excessos e facilitismos. Vivam a vida, mas com os pés bem assentes no chão.

Protejam-se. Estamos todos no mesmo barco.


* Texto partilhado com o Magazine ACL.

sábado, 30 de maio de 2020

PRESSÃO EXTRA

O texto de hoje não fala de regras nem da atuação dos árbitros um determinado jogo. Não fala de atitudes tidas por jogadores, treinadores ou oficiais. Não fala de nada que o público possa fazer durante um jogo. Fala de bom senso. Fala de respeito.

Li há algumas semanas num diário desportivo uma notícia que me envergonha só pelo facto de ser notícia. Era algo como “os árbitros vão viajar no mesmo avião que as equipas visitantes nos jogos nas ilhas”, a respeito do regresso do futebol e das medidas impostas para recomeço da atividade. A primeira questão que coloquei a mim mesmo depois de ler aquilo foi “e depois? Viajam com as equipas… e depois?”. O que é que importa se partilham o mesmo espaço com as equipas? Vamos agora desconfiar da seriedade dos árbitros e dos elementos das equipas só porque sim? Agora as pessoas não podem estar juntas, que se cria logo um clima de suspeição?

Não, obviamente não quero comparar a realidade andebolística ao futebol. Há realidades que não são comparáveis a nenhum nível. Mas infelizmente esta questão é transversal a todas as modalidades porque, infelizmente, há ainda muita gente que coloca o rótulo da falta de seriedade em tudo o que implica arbitragem.

Sempre houve maus árbitros e vão continuar a haver. Sempre houve jogos mal dirigidos por bons e maus árbitros e vão continuar a haver. Agora, fazer de uma viagem notícia é simplesmente indecente.

É verdade que há árbitros mais conscienciosos que outros, e que sentem com mais intensidade os seus sucessos e os seus insucessos. Mas nenhum árbitro gosta de errar. Nenhum árbitro gosta de se sentir injustiçado. E, mais que tudo, nenhum árbitro gosta de ser crucificado em praça pública só porque é árbitro. Os árbitros também têm sentimentos, pasme-se!

Esta notícia deixa no ar um clima de mistério e suspeição que é, no mínimo, aberrante.

Gosto sempre de fazer paralelos com a minha experiência pessoal. Sempre partilhei aviões quando tive de me deslocar às ilhas. Sempre partilhei espaços de refeições com equipas, antes e depois dos jogos, e nunca isso me influenciou nas minhas decisões. Como eu, quase todos nós. São os momentos de convívio fora dos pavilhões que mais nos enriquecem pessoal e socialmente. São as pessoas que conhecemos, os amigos que fazemos e que mantemos, o mais importante de tudo o que levamos do Desporto. Claro que o que acontece dentro do campo reflete o nosso trabalho diário, mas é também o que acontece fora do campo que nos permite abrir horizontes e transformarmo-nos em pessoas melhores. Para muitos pode não fazer sentido, mas a minha carreira tem tantos momentos marcantes fora do campo como dentro dele.

Fiz muitos amigos na Arbitragem, grande parte deles fora do ambiente de jogo, ou pelo menos solidifiquei essa relação fora do terreno de jogo.

Notícias como esta são apenas lamentáveis. Faço votos para que a comunicação social deixe as pessoas serem pessoas e não as queira transformar em bichos do mato, que deixe as pessoas fazer o seu trabalho, com a pressão inerente à atividade mas sem a pressão imbecil da suspeita gratuita.

Todos nós somos mais competentes quando as pessoas acreditam em nós e nos dão margem para mostrarmos o que valemos.

* Este mês, partilhei este texto igualmente no Magazine ACL.

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

A DECISÃO DA FINAL DO MUNDIAL FEMININO

Parece-me este o tema certo para regressar ao ativo aqui no blogue, após imenso tempo de ausência.
O último campeonato do mundo feminino ficou marcado por uma decisão arbitral extremamente polémica, como todos devemos estar a par. Deixo aqui o link do youtube, para que a possamos rever:


Ora, as opiniões ainda não são unânimes e o caso ainda é muito discutido no meio andebolístico. Deixo aqui a minha visão do lance e a minha própria análise, sujeita, como sempre, a discussão.
Vamos desconstruir a regra e as opções para análise do lance:
  1. A jogadora espanhola tem de estar a 3 metros?
    Não.
    No vídeo ouve-se o comentador a falar dessa hipótese, mas isso é uma asneira. Só há dois tipos de lançamentos em que os defesas não têm de estar a pelo menos 3 metros do executante:
    - lançamentos de reposição, quando não é possível o defesa estar a menos de 3 metros, se estiver junto da sua área de baliza (ex.: lançamento de reposição no canto do terreno de jogo, com o defesa encostado à área de baliza);
    - lançamentos de baliza.
    Um excerto da regra 12:2 diz que:

    12:2
    É permitido aos jogadores da equipa adversária estarem imediatamente fora da linha de área de baliza (...).

    Como é fácil de ver, esta questão da distância dos 3 metros não pode afetar a decisão da equipa de arbitragem.

  2. A jogadora espanhola está com os pés fora da área de baliza?
    Sim.
    O posicionamento dos pés dessa jogadora é perfeitamente legal. Como está explícito no excerto da regra que coloquei em cima, os jogadores defensores podem estar imediatamente fora da linha de área de baliza, o que é o caso. É possível observar nas imagens que, no momento do salto, o posicionamento da atleta é perfeitamente legal.



    Logo, esta questão também não é relevante para esta análise.

  3. Qual é o posicionamento dos braços da jogadora espanhola?
    Esta sim, é para mim a grande questão.
    A imagem a seguir (em especial o quadro da direita) mostra o momento.


    Na minha opinião, os braços estão no "espaço aéreo" da área de baliza, o que quer dizer que a bola não cruzou ainda a linha de área de baliza "para dentro do campo".
    Diz um excerto mais alargado da regra 12:2 que:

    12:2
    Considera-se que o lançamento de baliza foi executado quando a bola, lançada pelo guarda-redes, ultrapassou completamente a linha da área de baliza.
    É permitido aos jogadores da equipa adversária estarem imediatamente fora da linha de área de baliza, mas não lhes é permitido tocar a bola até que esta tenha ultrapassado completamente a linha de área de baliza (Regras 15:4, 15:9 e 8:7c).

    Há aqui uma infração à regra 12:2, no que respeita ao impedimento da execução do lançamento de baliza devido ao posicionamento dos braços.

  4. As árbitras estavam bem posicionadas?
    Sim.
    Ainda que entendendo que a decisão possa ser dúbia e passível de outras interpretações, a verdade é que o posicionamento da árbitra responsável pelo acompanhamento da jogada lhe permite tomar uma boa decisão, como se vê pela imagem.



  5. É desqualificação e livre de 7 metros porquê?
    Só consigo entender que esta situação tenha sido analisada de acordo com a regra 8:10 c), que diz o seguinte:

    8.10 
    Se os árbitros classificam a conduta antidesportiva como extremamente grave, um castigo é concedido de acordo com as seguintes normas.
    Nos casos que envolverem as seguintes infrações mencionadas nas subsequentes alíneas a) e b), servindo como meros exemplos, os árbitros devem elaborar um relatório escrito após o término do jogo, para permitir aos organismos competentes tomarem as medidas adequadas:
    (...)
    Nos casos que envolverem as seguintes infrações mencionadas nas subsequentes alíneas c) e d), um livre de 7 metros é concedido à equipa adversária:

    c) Se, durante os últimos 30 (trinta) segundos de jogo, a bola não está em jogo e um jogador ou oficial de equipa impede ou atrasa a execução de um lançamento livre a favor do adversário, com o objetivo de impedir que eles sejam capazes de efetuar um remate à baliza ou obter uma clara ocasião de golo, o jogador/oficial infrator é desqualificado e é atribuído um livre de 7 metros à equipa adversária. Este caso aplica-se a qualquer tipo de interferência (por exemplo: através de subtil contacto físico, interferir na execução de um lançamento como intercetar um passe, interferir na receção da bola ou não a largar).

    Ou seja, ao impedir a execução do lançamento, a jogadora espanhola está a impedir a execução de um lançamento que poderia criar uma clara oportunidade de golo. Assim, só poderá haver desqualificação e livre de 7 metros.
É importante repetir que esta é a minha visão pessoal do lance e da decisão tomada.
Aceito perfeitamente que me possam dizer que não é claro que a bola sai da área de baliza, mas em consciência e estando tão bem posicionada, se a árbitra entende que a bola não sai, esta é a única decisão que pode ser tomada. 
Assim, entendo esta decisão como boa e extremamente corajosa.

sábado, 6 de abril de 2019

ARBITRAR vs. GERIR

Nem todos os jogos se dirigem da mesma maneira. Sim, as regras são as mesmas e devem ser aplicadas por igual. Puxar o braço por trás em ato de remate é desqualificação num jogo da final do campeonato do mundo, da mesma maneira que o deve ser num jogo do regional de infantis. Um ponta que cruza a área de baliza para entrar a segundo pivot num jogo da primeira divisão deve ser sancionado por violação da área de baliza, da mesma forma que um ponta que o faça num jogo de minis o deve ser. As regras são para ser aplicadas sempre. Mas a forma de atuar tem obrigatoriamente
de ser diferente.

Num jogo de miúdos, jovens, ainda a dar os primeiros passos na modalidade, a presença do árbitro deve ser notada de um ponto de vista pedagógico. E ao dizer “pedagógico” não estou a excluir sanções disciplinares duras. A pedagogia está em explicar o que se faz e como se faz quando tal se impõe, está em ter uma forma de estar em campo que faça os miúdos sentirem-se seguros, está em conseguir que os mais novos (principalmente esses!) se habituem a ver o árbitro como um misto de garante de honestidade e de autoridade. Nestes jogos, o árbitro deve ser próximo dos jogadores.

Vamos agora passar para um jogo de juvenis ou juniores, por exemplo. Já não são crianças mas ainda não são homens feitos. Os atletas, nestas idades, têm uma tendência natural para se tentarem afirmar uns perante os outros, perante os árbitros, perante os pais até. É natural que essa tentativa de afirmação leve, não poucas vezes, a desafios perante quem toma as decisões. E como deve o árbitro agir aí? Compreendendo, mas sendo firme. É essencial que nestes jogos o árbitro assuma um papel pedagógico q.b., sem abdicar da conduta cada vez mais rígida que deve acompanhar a idade dos atletas.

E num jogo de alta competição, com todos os intervenientes a saberem perfeitamente o que fazem, e tantas vezes com o pavilhão cheio a pressionar? A pedagogia deve ser mínima, apenas a exclusivamente necessária à condução do jogo. Aqui, a parada é normalmente mais alta e costuma haver mais em jogo. Quem está dentro do campo nestes momentos sente a necessidade de gerir as emoções de forma diferente, e também sente que os seus erros se pagam de forma bem mais cara do que nos outros jogos. Árbitros, atletas e treinadores. Isso provoca uma tensão natural que é preciso gerir. Uma sanção disciplinar mal dada, um livre de 7 metros mal assinalado, uma quezília que não se resolve… tudo tem consequências. Daí a necessidade de gerir, não só aplicando as regras, mas sabendo tirar partido de todo um conjunto de soft skills que um árbitro de topo tem de ter.

Com este texto, não pretendo (nem era essa a minha intenção) dar os pormenores de como deve ser uma arbitragem em cada escalão. Quis apenas salientar que é normal, e até suposto, que a postura dos árbitros nos jogos das camadas mais jovens seja completamente diferente daquilo que vemos na televisão.

NOTA: Artigo partilhado com o Magazine ACL.

domingo, 16 de setembro de 2018

BALANÇO SOBRE AS NOVAS REGRAS

No fim de mais uma época desportiva e com a próxima a bater à porta, penso ser uma boa altura para partilhar convosco uma reflexão sobre as dificuldades que todos os agentes da modalidade, desde árbitros até aos espetadores, têm sentido no que diz respeito à aplicação das novas regras, postas em prática há dois anos.

Algumas foram de compreensão fácil, outras têm vindo a ser bem assimiladas com o tempo, outras ainda não arranjaram o devido espaço no pleno entendimento de todos nós. Gostaria de deixar bem claro que esta é apenas e só a minha opinião, baseada naquilo que fui vendo e ouvindo ao longo deste tempo.
As novas regras eram basicamente cinco. A saber:

  • Jogador lesionado (procedimento a seguir e regra dos três ataques)
  • Cartão azul (informação pública de relatório escrito)
  • Jogo passivo (contagem dos passes)
  • Guarda redes (fim da obrigatoriedade de guarda redes em campo)
  • Últimos 30 segundos (desqualificação e livre de 7 metros)

Questões pacíficas têm sido as relacionadas com o jogador lesionado e o cartão azul.
Penso que toda a gente percebeu com facilidade o espírito das alterações, e os árbitros também têm estado bem na sua aplicação.

O jogo passivo tem justificado algum trabalho, em especial na sinalização/informação da contagem dos passes, e na questão do passe adicional. É um processo progressivo que tem sido um sucesso, quer por parte das equipas quer por parte da arbitragem. Como nota de rodapé, acrescento, pela minha experiência, que o jogo passivo é dos pontos em que a nossa arbitragem está mais forte, sendo que a grande maioria dos nossos árbitros faz uma muito boa leitura da atitude ofensiva das equipas e define bem o momento para sinalizar a iminência de jogo passivo. 
Outro aspeto cuja compreensão tem evoluído de forma muito positiva, é a questão dos sete jogadores de campo, e as situações que daí decorrem. O caso mais crítico é o da baliza vazia no momento em que a defesa recupera a bola e pretende fazer remate imediato. Surge confusão em muitas pessoas quando veem um livre de 7 metros assinalado a distâncias de 20 ou 30 metros da baliza, mas o entendimento dos critérios seguidos pelos árbitros tem aumentado, não só porque os árbitros têm procurado trabalhar a clareza desses critérios, mas também porque eles próprios têm dado seguimento a esse trabalho de forma muito acertada.

A grande dificuldade tem residido em perceber os contornos da aplicação da regra dos últimos 30 segundos. A bola tem de estar em jogo ou não? Todas as faltas originam livre de 7 metros? Todas as sanções disciplinares têm de ser desqualificação? Entre os árbitros tem havido muito trabalho neste sentido, para esclarecer todas as pequenas e grandes questões que sempre surgem. Mas penso que a maior parte das pessoas está ainda agarrada à antiga lei do último minuto, em que o princípio era o mesmo, o de penalizar condutas antidesportivas graves, mas era uma lei que permitia que o crime compensasse em alguns casos. A lei como está agora está mais justa, mais penalizadora para os infratores. Pessoalmente penso que foi uma boa evolução. Falta todos nós fazermos um esforço adicional para a assimilar a 100%.

Acima de tudo há algo que todos temos de manter sempre presente. É em conjunto que temos de evoluir e solidificar os nossos conhecimentos, para termos melhores jogos na nossa modalidade. O Andebol evolui com a interação entre todos nós.

NOTA: Artigo partilhado com o Magazine ACL.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

FOI SEM QUERER!


"Foi sem querer!"
"Não tive intenção!"
"Só quis jogar a bola!"



Estas são só algumas das frases que os jogadores dizem muitas vezes, depois de cometer faltas que colocam em perigo a integridade física dos adversários. Ok, ninguém diz que essas ações são intencionais, mas a mazela fica do outro lado, a cura da lesão é o outro que a passa, os problemas não se resolvem só com um pedido de desculpas.

Resulta este post de um lance que vi esta noite num jogo de futebol, em que ocorre uma entrada duríssima, e em que tenho a clara sensação que o jogador infrator não quer magoar ninguém. O árbitro fez a única coisa que lhe competia e exibiu o cartão vermelho ao jogador.

E qual é a relação disso com o andebol? Toda!
Isto é algo comum em todas as modalidades de contacto. O facto de haver ações defensivas que podem ser mais duras é inerente a estas modalidades que promovem o contacto físico e que o aceitam inclusive na disputa da bola. Nem todos os contactos são ilegais! Mas os que são e que são particularmente imprudentes têm de ser punidos. Severamente, se for o caso. 

O livro de regras do andebol contempla estes casos:

FALTAS QUE SÃO SANCIONADAS COM UMA DESQUALIFICAÇÃO 
8.5 Um jogador que ataca um adversário de modo a colocar em perigo a sua integridade física, deve ser desqualificado (Regra 16:6a). (...). Além dos critérios e exemplos referidos nas Regras 8:3 e 8:4, também devem ser aplicados os seguintes critérios para a tomada de decisão: 
a) (...) 
b) (...)
c) A atitude irresponsável demonstrada pelo jogador faltoso no momento em que cometeu a falta.
(...)

DESQUALIFICAÇÃO DEVIDO A UMA AÇÃO ESPECIALMENTE IMPRUDENTE, PARTICULARMENTE PERIGOSA, PREMEDITADA OU MAL-INTENCIONADA (também deve ser elaborado relatório escrito) 
8.6 Se os árbitros consideram uma ação como sendo especialmente imprudente, particularmente perigosa, premeditada ou mal-intencionada, estão obrigados a desqualificar o jogador e devem fazer um relatório escrito para que as autoridades competentes possam decidir sobre eventuais medidas posteriores. Indicações e precisões que podem servir como critério para a tomada de decisão (em complemento das elencadas na Regra 8:5): 
a) Uma ação especialmente perigosa ou imprudente; 
b) Uma ação premeditada ou mal-intencionada, que não está de forma nenhuma relacionada com a situação de jogo. 
(...)

A regra 8:5 c) apela à (falta de) responsabilidade do jogador faltoso. Aqui nem se fala em premeditação, apenas de irresponsabilidade. E aqui, parece-me claro que o livro de regras de andebol prevê os casos de "desleixo" ou "falta de cuidado" dos jogadores faltosos.

A regra 8:6 junta no mesmo saco (ou seja, com consequências semelhantes) os casos de "ações imprudentes" e "ações premeditadas". E aqui a leitura só pode ser a de que se põe acima de tudo a proteção da integridade física dos atletas.

Por isso, o "foi sem querer" não funciona para efeitos de "perdão disciplinar". Os árbitros devem respeitar e aceitar isso, mas não devem deixar de atuar sobre quem comete este tipo de faltas.