domingo, 29 de novembro de 2009

COMENTÁRIOS DA BANCADA

Pediram-me há algum tempo a minha opinião sobre os comentários vindos da bancada, e estratégias para lidar com eles.
Isso é daquelas coisas que só o tempo e a experiência podem permitir a evolução psicológica do árbitro. Não é fácil suportar insultos vindos de todo o lado, mesmo que tenhamos a percepção que podemos ter tido uma má decisão, mas principalmente quando temos a certeza absoluta que estamos certos.
Só a forma de estar de cada um pode permitir criar uma estratégia pessoal para ultrapassar os ataques que muitas vezes a bancada nos dirige. E não falo dos protestos em relação a situações de jogo, porque isso é o pão nosso de cada dia, e anormal seria isso não acontecer. Falo do insulto gratuito, do ofender por ofender. É certo que uma pessoa ao escolher a carreira de árbitro tem de estar preparada para certas inevitabilidades, mas a preparação a este nível nunca será total. Vai sempre haver a possibilidade de um descontrolo visível ou não.
Pessoalmente, prefiro toda uma bancada a protestar comigo do que só uma pessoa, um caso isolado. A tendência para olhar é demasiado grande, e é um movimento difícil de controlar. Uma só pessoa desconcentra, uma bancada inteira não. Friso bem que não estou a falar de uma resposta ao insulto, mas apenas e só da tentação para olhar.
Mas mais que o insulto localizado, vindo de um só local da bancada, incomoda muito mais a ignorância. Ouvir uma pessoa reclamar algo que não faz o mais pequeno sentido não é grave nem incomoda. Mas o insulto vindo de alguém que não percebe nada de andebol acaba sempre por revoltar um pouco.
Acima de tudo, gosto de "humanizar" o árbitro. Muita gente vê-nos como máquinas que não podem errar. Mas nós somos humanos, erramos (e muitas vezes temos percepção disso mal apitamos), temos sentimentos e emoções, temos problemas em casa, na vida pessoal e no trabalho. Somos como os outros intervenientes no jogo! Se um jogador falha um contra-ataque, "coitado, teve azar", se não vemos uma falta porque algum jogador se intrometeu no nosso campo de visão, muitas vezes já somos filhos disto e daquilo, estávamos mal colocados, e não temos direito a ter azar...
Mas claro que temos de estar preparados para tudo, tal como é a nossa função.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

PEDIDOS DE TIME-OUT

Hoje falo de um tema que, não sendo de muito difícil compreensão, pode tornar-se num caso bicudo para os árbitros.
Há que pensar numa coisa, acima de tudo: o momento da entrega do cartão verde na mesa é que prevalece. Acontece que, algumas vezes, no espaço de tempo que o oficial de mesa demora a carregar na buzina, a equipa que solicita o time-out perde a posse de bola. Isto gera alguma confusão, mas na verdade é o momento da entrega do cartão verde na mesa (ENTREGA, não ARREMESSO, como por vezes acontece) que importa analisar. Isto NÃO É um erro do oficial de mesa, é uma demora natural, que por norma nem sequer é superior a 1 segundo, embora por vezes suficiente para uma equipa perder a posse de bola.
Se houver um remate, a bola fôr no ar, e essa equipa solicitar time-out, ele tem de ser concedido, e a posse de bola pertence-lhe aquando do recomeço de jogo.
Agora imaginemos um exemplo de um caso extremo...
A buzina do marcador electrónico está avariada e é preciso fazer a sinalização sonora através da utilização de um apito.
Uma equipa solicita time-out, entregando o cartão verde na mesa aos 21m20, mas ao pegar no apito o oficial de mesa atrapalha-se, deixa que ele escorregue, e só apita aos 21m24. Imaginemos ainda que, nesse período, houve um golo aos 21m22 e uma exclusão aos 21m23. É muito azar, mas pode acontecer... É fulcral fazer a seguinte análise dos vários aspectos:
  1. SANÇÃO TÉCNICA
    Qualquer sanção técnica assinalada após a entrega do cartão é REVERSÍVEL. Passos, dribles, livres de 7m, golos, tudo volta atrás.
  2. SANÇÃO DISCIPLINAR
    Qualquer sanção disciplinar atribuída após a entrega do cartão é IRREVERSÍVEL. Amarelos, vermelhos, exclusões ou expulsões MANTÊM-SE.
  3. RECOMEÇO DO JOGO
    Para todos os efeitos, o jogo foi interrompido aos 21m20. O oficial de mesa só não parou logo o tempo porque se atrapalhou. Nota importante: o oficial de mesa deve parar imediatamente o tempo, tem essa autoridade e esse dever.
    O jogador excluído poderá reentrar aos 23m20, pelo que cumprirá a sanção que lhe foi atribuída.
    Não é possível validar o golo e o jogo recomeça onde estava aquando da entrega do cartão verde, obviamente com posse de bola para a equipa que estava a atacar.
    Se não for possível fazer o marcador electrónico recuar os 4seg que decorreram excessivamente, deverá estar 4seg parado para compensar o tempo que decorreu indevidamente.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

ÚLTIMO MINUTO

Eu queria colocar aqui o vídeo (tão conhecido!) da situação do Gunnar Prokop, há poucas semanas. Mas como poderão saber, o vídeo foi retirado do youtube e não vou colocá-lo aqui.
Deixo apenas uma imagem, o momento da entrada do treinador, para uma análise muito pessoal ao lance.
Faço um resumo da situação.
29m53 da 2ª parte, jogo empatado, contra-ataque da equipa amarela, digamos assim.
O treinador da equipa azul entra em campo, claramente para travar o contra-ataque, e possível derrota da sua equipa.
Decisão dos árbitros: desqualificação ao treinador e recomeço do jogo no local da infracção.
Na minha opinião, que vale o que vale, este lance seria punível com livre de 7m, e explico porquê.
Na elipse verde, em cima, está o momento do impacto entre treinador e contra-atacante. Analisemos agora o posicionamento das outras jogadoras.
Nas elipses vermelhas, estão as colegas da jogadora "abalroada". Para lá da linha vermelha situam-se as adversárias.
Para se assinalar livre de 7m é necessário que haja uma "Clara Oportunidade de Golo". Isso acontece aqui? Vejamos o caminho livre que a jogadora tem pela frente... Na minha opinião, é mais que suficiente para se considerar uma oportunidade de golo!
Isto já para não dizer que a regra do vermelho no último minuto foi criada para situações de claro anti-desportivismo como este...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

BOLA NO PÉ OU PÉ NA BOLA?

Antes de mais, tenho de pedir desculpa pela não actualização nem colocação de posts novos nestes últimos dias. Tem-me sido completamente impossível fazê-lo!
Agora voltando ao andebol...
Convém, antes mesmo de desenvolver o tema de hoje, esclarecer que muito daquilo que aqui escrevo são opiniões pessoais, são um pouco da forma como eu gosto de dirigir um jogo. Nem sempre serão as formas mais correctas de o fazer, é verdade, mas neste espaço coloco um pouco da minha visão do andebol, de como as pessoas gostam de ver e da forma como eu gosto de estar nele inserido.
E por que motivo começo eu assim? Porque o tema de hoje é um tema com grande dose de subjectividade, sujeito a diferentes interpretações e avaliações. Falo da forma como EU vejo certos lances.
À partida, quase todas as bolas que entram em contacto com o pé devem ser assinaladas. Quase todas. Existem excepções. Mas vamos por partes:
  1. TOQUE CASUAL
    Deve ser assinalada, sem sanção disciplinar. Normalmente acontece quando há um passe ao pivot e o defesa, no seu movimento, intersecta a bola sem qualquer intenção.
  2. PEQUENO CORTE INTENCIONAL
    Aqui, começamos a entrar nos cortes deliberados. Penso que se deve fazer um aviso verbal ao jogador para não repetir a infracção, ou sancioná-lo com cartão amarelo, se ainda for possível. Ocorre quando existe um passe picado para o interior da defesa, e o corte, muitas vezes, nem impede uma clara ocasião de golo.
  3. CORTE DELIBERADO
    Neste caso é imprescindível sancionar-se disciplinarmente com exclusão, seja em que tempo de jogo for! Um caso típico é o passe para o ponta que se aprestava para ganhar ângulo de remate, com o ponta defensor a esticar a perna.
  4. BOLA NO PÉ
    Aqui temos a clara diferença em relação a todos os outros pontos que referi. Este caso é, ao mesmo tempo, o mais difícil de ajuizar e que mais coragem exige para o fazer! Se o defesa está quieto e a bola é lançada CLARA E PROPOSITADAMENTE para o seu pé, pelo atacante, que se calhar já driblou e não sabe o que fazer à bola, então não vejo motivos para se assinalar falta! O defesa não tem qualquer tipo de culpa ou intenção!
    É verdade que se esta falta for marcada ninguém nos diz nada, mas é uma questão de justiça para com aqueles que nada fizeram...

Como disse, esta é a minha visão das coisas, sempre sujeita a críticas.

NOTA: Gostaria de saber se algum visitante deste blogue tem o vídeo do lance que foi muito falado ultimamente, da entrada em campo do treinador Gunnar Prokop. No Youtube já não está, e eu queria fazer uma análise desse lance.
Arranjo o link para sacar o jogo todo, mas estou mais interessado mesmo nas imagens desse lance, no último minuto.

NOTA 2: Este foi o post nº100! :)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

PEQUENOS CONTACTOS

Dando sequência ao planeamento a que me tinha proposto, hoje falo um pouco dos pequenos contactos e da aplicação da lei da vantagem, conceito que está directamente ligado.

Começo por dizer que a aplicação da lei da vantagem não tem por objectivo beneficiar o ataque, mas o espectáculo em si. O objectivo é tornar o Andebol num desporto atractivo, e isso só se consegue se, entre muitas outras coisas, o tornarmos um desporto rápido e com poucas interrupções.
O papel do árbitro é fundamental. Nós, árbitros, não nos podemos demarcar das nossas responsabilidades enquanto condutores de um espectáculo, não sendo, contudo, responsáveis por tudo o que nele acontece, claro...


Defendo a teoria de que pequenos contactos não são falta. Mas vou explicar-me bem para não ser mal interpretado.
Há 2 tipos de pequenos contactos: aqueles que ocorrem numa tentativa de controlo do adversário, e os que têm por objectivo travar o opositor.
Em cima, está o exemplo do tipo de contacto que, em condições normais, não deve ser assinalado. Por "condições normais", entendo "o atacante consegue soltar a bola e prosseguir o jogo". O defesa não empurra, não agarra, não prende... CONTROLA! O atacante tem todas as condições para jogar, uma vez que o braço da bola é o oposto do do contacto!

Veja-se agora a diferença em relação a este lance. O braço agarrado é o da bola. É muito possível que esta jogadora não consiga libertar a bola. Contudo, se ela conseguir dar seguimento ao lance e a bola permanecer na posse da sua equipa, deve aplicar-se a lei da vantagem!

Para essa aplicação é necessário que o jogador atacante não cometa qualquer infracção, senão está a beneficiar de uma ilegalidade por si cometida. Falou-se muito nisso aqui no blogue ultimamente, e concordo que é uma questão importante de ser esclarecida.
Independentemente de concordarmos (ou não), com esta forma de ver as coisas, o essencial é perceber as instruções que os árbitros têm para actuar nestas situações: o jogador atacante não pode beneficiar de uma infracção cometida por si, ainda que provocada por um defesa!

Exemplos:

  1. Jogador entra da ponta para 2º pivot, é tocado, passa por dentro da área e recebe a bola mais à frente. Não pode beneficiar de ter passado por dentro da área! É preciso marcar a falta anterior. Decisão: livre de 9m para a equipa atacante.
  2. Jogador é agarrado aos 9m, dá 5 passos enquanto é agarrado e liberta a bola ao pivot, que fica isolado aos 6m. Não pode beneficiar por ter dado passos! Decisão: livre de 9m para a equipa atacante.

Tenho de fazer uma chamada de atenção. Neste post, falo de pequenos contactos inofensivos, sem intenção de prejudicar a integridade física do adversário. Os que não respeitarem esta premissa devem ser punidos.

Queria ressalvar uma coisa também. Estou apenas a falar das sanções técnicas a aplicar. As sanções disciplinares podem (e devem) ser atribuídas após correcta aplicação da lei da vantagem! É verdade que às vezes falha, mas um erro apenas neste capítulo pode manchar toda uma arbitragem, porque é um erro que os outros intervenientes no jogo têm pouca tendência para compreender.

Na minha opinião, a distinção entre pequenos contactos inofensivos e pequenos contactos intencionais faz toda a diferença na qualidade de um árbitro e de uma arbitragem.