sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

ATÉ SEMPRE, QUINTANA

Perdemos hoje um atleta e um homem de eleição, e a prova está na onda de solidariedade tão consensual que se levantou em seu torno.

Não são precisas mais palavras além das que fomos lendo, não só por estes dias, mas desde que chegou a Portugal. Do meu lado, que apenas com ele partilhei o terreno de jogo umas dezenas de vezes, mas que vibrei com cada defesa que fazia com a camisola da nossa Seleção, resta-me, apenas, agradecer tudo aquilo que veio oferecer ao Desporto Português e a forma como enriqueceu a vida de todos aqueles que de perto conviveram com ele. 

Estamos todos muito, mas muito mais pobres hoje. 

Envio as minhas sentidas condolências a todos os seus companheiros de Seleção e do Futebol Clube do Porto, e muito em especial à sua família e amigos próximos.

Obrigado por tudo, Quintana. Descansa em paz.



quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O PESO DO CARTÃO AMARELO

Chegou ao fim mais um mundial de andebol, e com ele a possibilidade de vermos excelentes espetáculos de andebol e excelentes arbitragens também.

Houve algo que, para qualquer especialista de arbitragem, pode ter sobressaído nas atuações dos árbitros, inclusivament
e porque mereceu comentários aquando dos jogos: a menor utilização do cartão amarelo.

Quem tem acompanhado a evolução do andebol mundial e as suas tendências, não pode deixar de reparar que se dão cada vez menos advertências (o nome técnico do cartão amarelo), e mais rapidamente se passa à “fase da exclusão”. Isso tem causas e consequências, como qualquer outro passo que se dê, e também como qualquer outro caminho, tem os seus apoiantes e detratores.

Há os que julgam que o cartão amarelo é peça absolutamente fundamental na condução de um jogo e que não se deve abdicar dele. É o aviso público, a advertência, o mostrar a toda a gente que o árbitro está atento, é o querer sempre que o atleta infrator tenha um aviso para não se exceder. A questão é que não raras vezes esse atleta excede-se cedo e a primeira sanção disciplinar, quando é um simples cartão amarelo, é curta. O cartão amarelo não doi. O atleta fica dentro do campo, a equipa que sofre a falta ou que não cometeu a conduta antidesportiva não tira partido disso, e como o prazo de validade do cartão amarelo não se estende pelo jogo todo, o infrator lucra.

Parte-se assim para a amostragem do cartão amarelo só quando estritamente adequado e possível. Adequado porque tem de ser uma pequena falta, possível porque nem sempre se deve interromper o decurso do jogo para este tipo de ação, porque não traz real vantagem para a outra equipa.

Isto obriga a toda uma mudança na própria técnica de arbitragem. Na minha experiência, sempre procurei usar os cartões amarelos como munições de um revólver. Eram poucas, tinha de as gastar adequadamente para não passar logo para uma arma mais pesada. Procurava mostrar os cartões amarelos permitidos por lei a cada equipa, se tal fosse possível. Não sendo possível, tudo bem na mesma, mas ainda há bem pouco tempo era estranho se uma dupla de arbitragem acabasse os seus jogos consistentemente com uma ou duas advertências por equipa. Dizia-se que era sinal de “má condução de jogo”, sem que fosse necessariamente assim.

Agora já não surpreende ninguém que haja jogos sem advertências, ou com uma ou duas apenas. É um processo natural e evolutivo, que todos precisamos acompanhar. Todos temos de nos adaptar: jogadores, treinadores, dirigentes, árbitros, observadores, público e qualquer outro amante da modalidade.

Como nota de rodapé, recordo-me perfeitamente de um jogo em que a minha primeira sanção foi mostrar um cartão vermelho aos vinte segundos de jogo. Murro na cara, cartão vermelho, para mim é e sempre foi simples. Muita gente perguntou se não era melhor começar por uma sanção “mais levezinha”… Não, a sanção necessária surge no decurso da ação efetuada, seja ela qual for.

Voltando ao cartão amarelo, não me surpreenderia nada se ele desaparecesse em poucos anos. Com o reduzir da sua importância no jogo e com o pouco impacto que tem, passa a tornar-se algo “a mais”. Mas ainda não é assim, e isso exige que todos nos adequemos ao momento em que estamos.


*Texto publicado também no Magazine ACL