Chegou ao fim mais um mundial de andebol, e com ele a possibilidade de vermos excelentes espetáculos de andebol e excelentes arbitragens também.
Houve algo que, para qualquer especialista de
arbitragem, pode ter sobressaído nas atuações dos árbitros, inclusivament
e
porque mereceu comentários aquando dos jogos: a menor utilização do cartão
amarelo.
Quem tem acompanhado a evolução do andebol mundial e
as suas tendências, não pode deixar de reparar que se dão cada vez menos
advertências (o nome técnico do cartão amarelo), e mais rapidamente se passa à
“fase da exclusão”. Isso tem causas e consequências, como qualquer outro passo
que se dê, e também como qualquer outro caminho, tem os seus apoiantes e
detratores.
Há os que julgam que o cartão amarelo é peça
absolutamente fundamental na condução de um jogo e que não se deve abdicar
dele. É o aviso público, a advertência, o mostrar a toda a gente que o árbitro
está atento, é o querer sempre que o atleta infrator tenha um aviso para não se
exceder. A questão é que não raras vezes esse atleta excede-se cedo e a
primeira sanção disciplinar, quando é um simples cartão amarelo, é curta. O
cartão amarelo não doi. O atleta fica dentro do campo, a equipa que sofre a
falta ou que não cometeu a conduta antidesportiva não tira partido disso, e
como o prazo de validade do cartão amarelo não se estende pelo jogo todo, o
infrator lucra.
Parte-se assim para a amostragem do cartão amarelo
só quando estritamente adequado e possível. Adequado porque tem de ser uma
pequena falta, possível porque nem sempre se deve interromper o decurso do jogo
para este tipo de ação, porque não traz real vantagem para a outra equipa.
Isto obriga a toda uma mudança na própria técnica de
arbitragem. Na minha experiência, sempre procurei usar os cartões amarelos como
munições de um revólver. Eram poucas, tinha de as gastar adequadamente para não
passar logo para uma arma mais pesada. Procurava mostrar os cartões amarelos
permitidos por lei a cada equipa, se tal fosse possível. Não sendo possível,
tudo bem na mesma, mas ainda há bem pouco tempo era estranho se uma dupla de
arbitragem acabasse os seus jogos consistentemente com uma ou duas advertências
por equipa. Dizia-se que era sinal de “má condução de jogo”, sem que fosse necessariamente
assim.
Agora já não surpreende ninguém que haja jogos sem
advertências, ou com uma ou duas apenas. É um processo natural e evolutivo, que
todos precisamos acompanhar. Todos temos de nos adaptar: jogadores,
treinadores, dirigentes, árbitros, observadores, público e qualquer outro
amante da modalidade.
Como nota de rodapé, recordo-me perfeitamente de um
jogo em que a minha primeira sanção foi mostrar um cartão vermelho aos vinte
segundos de jogo. Murro na cara, cartão vermelho, para mim é e sempre foi
simples. Muita gente perguntou se não era melhor começar por uma sanção “mais
levezinha”… Não, a sanção necessária surge no decurso da ação efetuada, seja
ela qual for.
Voltando ao cartão amarelo, não me surpreenderia
nada se ele desaparecesse em poucos anos. Com o reduzir da sua importância no
jogo e com o pouco impacto que tem, passa a tornar-se algo “a mais”. Mas ainda
não é assim, e isso exige que todos nos adequemos ao momento em que estamos.
*Texto publicado também no Magazine ACL
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