Antes de mais, espero que todos os leitores tenham tido uma excelente entrada no novo ano, e que este seja bastante melhor do que 2011.
Hoje, continuo sem abordar questões técnicas. Deixo isso para os próximos posts, até porque já sei do que vou falar. Fico-me por outras questões, de dever e de direito.
No post anterior, abordei aquilo que considero ser um direito do árbitro, o de pedir desculpas por uma falha. Cada um é livre de o fazer, sabendo das consequências, boas e más, que isso acarreta. Hoje falo de outro direito, que também parte da consciência de cada um, e que cada um saberá se está preparado para acartar com o que daí poderá advir: o direito a assumir publicamente a sua preferência clubística.
É utópico pensar que um árbitro não tem clube do coração ou, no mínimo, uma preferência. É ainda mais utópico pensar que, ao tirar o curso, um árbitro esquece todos os anos em que foi adepto de um clube só porque agora está no papel de juiz de um espetáculo desportivo.
Falo de mim mesmo... toda a gente sabe qual é o meu clube do coração, nunca o escondi! Antes de ser árbitro já era adepto, enquanto árbitro continuo adepto, quando deixar de ser árbitro continuarei adepto. Já dirigi vários jogos do meu clube. Ganhou uns, perdeu outros. Não me afetam as suas derrotas no andebol mais do que as derrotas de outro qualquer clube. Não me enchem de orgulho as suas vitórias mais do que as vitórias de outro qualquer. Tenho um espírito de isenção que me permite encarar uma camisola de qualquer cor com o mesmo respeito. Encaro qualquer emblema da mesma forma. Independentemente de quem está em campo, se é o meu clube do coração ou não, as camisolas lisas, com riscas horizontais, verticais ou aos quadrados valem o mesmo para mim. Disso pode ter a certeza quem quer que seja, não há camisolas pesadas ou emblemas pesados, por uma razão muito simples: não há nada mais pesado que um apito.
Não estou a exaltar o meu comportamento, porque não sou mais do que o que me compete ser. Aliás, tenho certeza que a esmagadora maioria dos meus colegas é assim também.
Mas há a outra face da moeda. As pessoas não estão minimamente preparadas para a frontalidade de um árbitro. Tal como no caso do pedido de desculpas, as pessoas não estão preparadas para ver um árbitro assumir o seu clube. Eu desafio esses dois preconceitos porque é essa a minha forma de estar. Não sei ser de outra forma, mas sei que fazê-lo é muitas vezes cuspir contra o vento, porque acaba por se virar contra mim.
Assumindo o meu clube e errando em seu favor (ou decidindo a seu favor num lance duvidoso), as pessoas vão dizer que estou a beneficiar propositadamente esse clube.
Assumindo o meu clube e errando contra si (ou decidindo contra si num lance duvidoso), as pessoas vão dizer que estou a prejudicar propositadamente esse clube para disfarçar.
E agora pergunto eu, como exemplo... o que acontece quando um árbitro tem uma decisão favorável a um clube dito "grande" (detesto esta expressão, mas uso-a apenas para ilustrar melhor o meu discurso) num confronto com um clube dito "pequeno" (ipsis verbis...)? Os adeptos desse clube dito "pequeno" vão pensar que somos adeptos do clube dito "grande". E se, nesse mesmo jogo, a decisão for favorável ao clube dito "pequeno"? Os adeptos do clube dito "grande" vão dizer que somos adeptos de outro clube dito "grande"...
Conclusão: o árbitro está sempre sob suspeita de ceder a clubes. Por isso, mais vale assumir os nossos gostos frontalmente.
Deixo o menos importante para o fim.
Sou do Belenenses. Podia ser do Porto, do Benfica, do Sporting, do V. Setúbal, do Alto do Moinho, do Gaia ou do Monte, ou de outro QUALQUER clube, que o meu discurso seria o mesmo.
Assumirmo-nos de um clube é um direito que temos.
Estarmos preparados para o bom e o mau que daí advém é um ato de consciência individual.
7 comentários:
Além do clube existe outro aspeto que as pessoas não estão preparadas, o da amizade com os outros intervenientes do jogo. Além de gostar da arbitragem gosto é de ANDEBOL! Se tenho amigos estes não são somente árbitros, são também jogadores, técnicos e dirigentes! Se somos vistos com algum destes intervenientes num momento relaxante e de amizade, por exemplo tomarmos um café, temos logo uma pistola apontada! Se depois de um jogo alguns dos jogadores de ambas as equipas convivem ou até vão jantar, não há problema, nem é posto em causa todo o jogo e jogadas de ambos, porque eles defendem as suas equipas. Ora se os árbitros também vão com algum são logo acusados de cumplicidade e arranjam logo um lance onde apontam o erro. Eu e o meu amigo Carlos não escondemos nenhum destes momentos, tais como os clubes que gostamos, porque ambos adoramos fazer parte da modalidade e não só da arbitragem. Esta é a nossa forma de estar no desporto! Bruno Rodrigues
Sublinho integralmente o teu comentário.
Não consigo perceber o motivo de muita gente achar que os árbitros têm de viver isolados do resto do mundo e separados dos outros intervenientes. Aliás, até consigo perceber, não consigo é concordar...
Vou buscar um exemplo do futebol para não ir buscar ao andebol. O Futre jogou no FCP, no SLB e no SCP. Mas alguém duvida da verdadeira cor dele? No entanto, quando estava ao serviço dos outros 2 clubes mencionados, o que diziam as pessoas? "Ele é profissional, não há problema".
Pergunto eu: por que motivo esquisito os árbitros não podem ser profissionais também?
Eu e o Bruno, a quem agradeço o reforço das minhas palavras, temos uma forma de estar no ANDEBOL que nos permite estarmos integrados na modalidade acima de tudo. Sem esconder a evidente paixão pela arbitragem.
Carlos e Bruno
Porque motivo estariam os árbitros - e outros agentes (oficiais de mesa e delegados) - sujeitos ao segredo filiação/simpatia por qualquer clube?
O mais importante, fundamental mesmo, está na seriedade dos agentes referidos o que se verifica na esmagadora maioria.
Poderia ser de outra forma?
Claramente não!
Um abraço para ambos e bom ano.
Nós não estamos sujeitos ao segredo de filiação/simpatia por um clube, mas a esmagadora maioria opta por não revelar publicamente as suas preferências, o que eu respeito.
Apenas me reporto, no meu post, ao direito de assumirmos sem problemas os nossos gostos.
Um abraço!
Concordo.
Abraço
Não vejo porque razão não devem os árbitros indicar qual o seu Clube de coração, nem mesmo não mostrarem as suas relações de amizade. Diz o povo e com razão que "Quem não deve, não teme". Entendo que quando acontecem coisas menos leais num jogo, acontecem porque as pessoas em causa não são muito honestas de formação. Não nego contudo, que muitas vezes tenho dado o conselho a amigos meus árbitros de se protegerem antes dos jogos, nas suas relações pessoais, para não terem de ir para o campo com mais um pormenor de dificuldade elevado, junto ao facto de terem de apitar.
Num desporto como o Andebol, que possuiu uma boa vertente feminina, é do conhecimento comum que existem árbitros a namorar com atletas de alguns clubes, facto que considero normalíssimo. Ouvi, contudo dizer que a norma diz que devem pedir dispensa dos jogos das namoradas, não sei se é verdade, se o for, parece-me uma medida preventiva normal, mas que, contudo coloca em risco a capacidade de isenção de cada arbitro, logo por parte das normas de arbitragem.
Não tenho conhecimento de qualquer indicação nesse sentido.
Da mesma forma que acho que um árbitro não deve esconder o seu clube ou as suas amizades, não vejo motivo para não dirigir os jogos onde intervem a sua namorada.
Ele e ela devem saber separar as águas, pois dentro de campo são árbitro e jogadora, não são namorados.
Fraco árbitro é quem cede a este tipo de "condicionalismos", mas compreendo quem se queira precaver deste tipo de situação.
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